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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

"O homem não aceita mais ficar triste" Miguel Chalub


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RECEITA
Chalub afirma que muitos médicos se rendem aos laboratórios
farmacêuticos e Indicam antidepressivos sem necessidade
A Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê que a depressão será a doença mais comum do mundo em 2030 – atualmente, 121 milhões de pessoas sofrem do problema. Para o psiquiatra mineiro Miguel Chalub, 70 anos, há um certo exagero nessas contas. Ele defende que tanto os pacientes quanto os médicos estão confundindo tristeza com depressão. “Não se pode mais ficar triste, entediado, porque isso é imediatamente transformado em depressão”, disse em entrevista à ISTOÉ.
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"Hoje, brigar com o marido, sair do emprego, qualquer motivo é válido para se dizer deprimido. Mas o sofrimento não significa depressão"
Professor das universidades Federal (UFRJ) e Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), ele afirma que os psiquiatras são os que menos receitam antidepressivos, porque estão mais preparados para reconhecer as diferenças entre a “tristeza normal e a patológica”. Mas o despreparo dos demais especialistas não seria o único motivo do que o médico chama de “medicalização da tristeza”. Muitos profissionais se deixam levar pelo lobby da indústria farmacêutica. “Os laboratórios pagam passagens, almoços, dão brindes. Você, sem perceber, começa a fazer esse jogo.”
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"Há a tendência de achar que o medicamento vai corrigir
qualquer distorção humana. É a busca pela pílula da felicidade"
Istoé - Por que tantas previsões alarmantes sobre o aumento da depressão no mundo?
Miguel Chalub - Porque estão sendo computadas situações humanas de luto, de tristeza, de aborrecimento, de tédio. Não se pode mais ficar entediado, aborrecido, chateado, porque isso é imediatamente transformado em depressão. É a medicalização de uma condição humana, a tristeza. É transformar um sentimento normal, que todos nós devemos ter, dependendo das situações, numa entidade patológica. 

Istoé -
Por que isso aconteceu?
Miguel Chalub - A palavra depressão passou a ter dois sentidos. Tradicionalmente, designava um estado mental específico, quando a pessoa estava triste, mas com uma tristeza profunda, vivida no corpo. A própria postura mostrava isso. Ela não ficava ereta, como se tivesse um peso sobre as costas. E havia também os sintomas físicos. O aparelho digestivo não funcionava bem, a pele ficava mais espessa. Mas, nos últimos anos, a palavra depressão começou a ser usada para designar um estado humano normal, o da tristeza. Há situações em que, se não ficarmos tristes,  é um problema – como quando se perde um ente querido. Mas o homem não aceita mais sentir coisas que são humanas, como a tristeza.

Istoé -
A que se deve essa mudança?
Miguel Chalub - Primeiro, a uma busca pela felicidade. Qualquer coisa que possa atrapalhá-la tem que ser chamada de doença, porque, aí, justifica: “Eu não sou feliz porque estou doente, não porque fiz opções erradas.” Dou uma desculpa a mim mesmo. Segundo, à tendência de achar que o remédio vai corrigir qualquer distorção humana. É a busca pela pílula da felicidade. Eu não preciso mais ser infeliz.

Istoé -
O que diferencia a tristeza normal da patológica?
Miguel Chalub - A intensidade. A tristeza patológica é muito mais intensa. A normal é um estado de espírito. Além disso, a patológica é longa.
Istoé - Quanto tempo é normal ficar triste após a morte de um ente querido, por exemplo?
Miguel Chalub - Não dá para estabelecer um tempo. O importante é que a tristeza vai diminuindo.  Se for assim, é normal. A pessoa tem que ir retomando sua vida. Os próprios mecanismos sociais ajudam nisso. Por que tem missa de sétimo dia? Para ajudar a pessoa a ir se desonerando daquilo.
Istoé - Quais são os sintomas físicos ligados à depressão?
Miguel Chalub - Aperto no peito, dificuldade de se movimentar, a pessoa só quer ficar deitada, dificuldade de cuidar de si próprio, da higiene corporal. Na tristeza normal, pode acontecer isso por um ou dois dias, mas, depois, passa. Na patológica, fica nas entranhas.

Istoé -
Ainda há preconceito com quem tem depressão?
Miguel Chalub - Não. É o contrário. A vulgarização da depressão diminuiu o preconceito, mas criou outro problema, que é essa doença inexistente. Antes, a pessoa com depressão era vista como fraca. Hoje, as pessoas dizem que estão deprimidas com a maior naturalidade. Não se fica mais triste. Se brigar com o marido, se sair do emprego, qualquer motivo é válido para se dizer deprimido. Pode até ser que alguém fique realmente com depressão, mas, em geral, fica-se triste. O sofrimento não significa depressão. E não justifica o uso de medicamentos.

Istoé -
Os médicos não deveriam entender este processo?
Miguel Chalub - Os médicos não estão isentos da ideologia vigente. O que acontece é: você vem ao meu consultório. Eu acho que você não está deprimido, que está só passando por uma situação difícil. Então, proponho que você faça um acompanhamento psicoterápico. Você não fica satisfeito e procura outro médico, que receita um antidepressivo. Ele é o moderno, eu sou o bobão. Para não ser o bobão, eu receito um antidepressivo logo. É uma coisa inconsciente.

Istoé -
Inconsciente?
Miguel Chalub - Os médicos querem corresponder à demanda. Senão, o paciente sairá achando que não foi bem atendido. Receitando um antidepressivo, eles correspondem à demanda, porque a pessoa quer ser enquadrada como deprimida. Mas há a questão dos laboratórios. Eles bombardeiam os médicos.
Istoé - A ponto de influenciar o comportamento deles?
Miguel Chalub - Se for um médico com boa formação em psiquiatria, mesmo que não seja psiquiatra, ele saberá rejeitar isso, mas outros não conseguem. Eles se baseiam nos folhetos do laboratório. Não é por má-fé. Os laboratórios proporcionam muitas coisas. Pagam passagens, almoços, dão brindes. O médico, sem perceber, começa a fazer o jogo. Porque me pagaram uma passagem aérea ou me deram um laptop, acabo receitando o que eles estão querendo.
Istoé - O médico se vende?
Miguel Chalub - Sim. Por isso é que há uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária proibindo os laboratórios de dar brindes aos médicos. Nenhum laboratório suborna médico, não que eu saiba, nem vai chegar aqui e dizer: “Se você receitar meu remédio, vou lhe dar uma mensalidade.” Mas eles fazem esse tipo de coisa, que é subliminar. O médico acaba tão envolvido quanto se estivesse recebendo um suborno realmente.
Istoé - Esse lobby é capaz de fazer um médico receitar certo remédio?
Miguel Chalub - Aí é a demanda e a lei do menor esforço. Se o paciente chegar se queixando de insônia, por exemplo, o que o médico deveria fazer era ensiná-lo como dormir. Ou seja, aconselhar a tomar um banho morno, um copo de leite morno, por exemplo. Mas é mais fácil, tanto para o paciente quanto para o médico, receitar um remédio para dormir.
Istoé - Os demais especialistas também receitam remédios psiquiátricos, não?
Miguel Chalub - Quem mais receita antidepressivos não são os psiquiatras, são os demais especialistas. Os psiquiatras têm uma formação para perceber que primeiro é preciso ajudar a pessoa a entender o que está se passando com ela e depois, se for uma depressão mesmo, medicar. Agora, os outros, não querem ouvir. O paciente diz: “Estou triste.” O médico responde: “Pois não”, e receita o remédio. Brinco dizendo o seguinte: se você for a um clínico, relate só o problema clínico. Dor aqui, dor ali. Não fale que está chateado, senão vai sair com um antidepressivo. É algo que precisamos denunciar.
Istoé - Os psiquiatras deveriam ser os únicos autorizados a receitar esse tipo de medicamento?
Miguel Chalub - Não acho que seja motivo para isso. Os outros especialistas têm capacidade de receitar, desde que não entrem nessa falácia, nesse engodo.
Isto é - Mas os demais especialistas estão capacitados para receitar essas drogas?
Miguel Chalub - Em geral, não.

Istoé - É comum o paciente chegar ao consultório com um “diagnóstico” pronto?
Miguel Chalub - É muito comum. Uma vez chegou um paciente aqui que se apresentou assim: “João da Silva, bipolar.” Isso é uma apresentação que se faça? Quase respondi: “Miguel Chalub, unipolar.” É uma distorção muito séria.

Istoé -
O acesso à informação, nesse sentido, tem um lado ruim?
Miguel Chalub - A internet é uma faca de dois gumes. É bom que a pessoa se informe. A época em que o médico era o senhor absoluto acabou. Mas a informação via Google ainda é precária. Muitas vezes, a depressão, por exemplo, é ansiedade. Mas as pessoas não querem conviver com a ansiedade, que é uma coisa desagradável, mas que também faz parte da nossa humanidade. Tenho uma paciente que disse: “Ando com um ansiolítico na bolsa. Saí de casa, me aborreci, coloco ele para dentro.” Então é isso? Se alguém me fala algo desagradável, eu tomo um ansiolítico? Isso é uma verdadeira amortização das coisas.

Istoé -
O que causa a depressão?
Miguel Chalub - Esse é um dos grandes mistérios da medicina. A gente não sabe por que as pessoas ficam deprimidas. O mecanismo é conhecido, está ligado a uma substância chamada serotonina, mas o que o desencadeia, não sabemos. Há teorias, ligadas à infância, a perdas muito precoces, verdadeiras ou até imaginárias – como a criança que fica aterrorizada achando que vai perder os pais. As raízes da depressão estão na infância. Os acontecimentos atuais não levam à depressão verdadeira, só muito raramente. Justamente o contrário do que se imagina. Mas mexer na infância é muito doloroso. Não tem remédio para isso. Precisa de terapia, de análise, mas as pessoas não querem fazer, não querem mexer nas feridas. Então é melhor colocar um esparadrapo, para não ficar doendo, e pronto. É a solução mais fácil.

Istoé -
O antidepressivo é sempre necessário contra a depressão?
Miguel Chalub - Quando é depressão mesmo, tem que ter remédio.

Istoé -
Há quem diga que hoje a moda é ter um psiquiatra, não um analista. O que sr. acha disso?
Miguel Chalub - As pessoas estão desamparadas. Desamparo é uma condição humana, mas temos que enfrentá-lo, assim como o fracasso, a solidão, o isolamento. Não buscar psiquiatras e remédios. Em algum momento, isso pode ficar tão sério, tão agudo, que a pessoa pode  precisar de uma ajuda, mas para que a ensinem a enfrentar a situação. Ensina-me a viver, como no filme. Não é me dar pílulas, para eu ficar amortecido.

Istoé -
O que é felicidade para o sr.?
Miguel Chalub - A OMS tem uma definição de saúde muito curiosa: a saúde é um completo estado de bem-estar físico, mental e social. Essa é a definição de felicidade, não de saúde. Felicidade, para mim, é estar bem consigo mesmo e com o outro. Estar bem consigo mesmo é também aceitar limitações, sofrimento, incompetências, fracassos. Ou seja, felicidade também é ficar triste de vez em quando.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Visão Existencial da Dependência Química

O contato do homem com substâncias inebriantes ou entorpecedoras, tendo como alguns de seus efeitos as sensações de euforia e bem-estar, é um hábito tão antigo como a própria humanidade e remonta à história das civilizações, dos povos antigos, passando pela antiguidade clássica até o desenvolvimento da civilização judaico-cristã ocidental.
Podem ser observadas citações do uso da droga muitas vezes ligado a padrões culturais de comportamento que incluem aspectos também religiosos.

Com o passar dos tempos foi ganhando conotações diversificadas como de um simples elemento caracterizador de uma determinada cultura até representar uma questão que afeta todo o espectro de uma sociedade como nos dias de hoje. Envolve questões sociais, culturais, éticas, legais e até mesmo econômicas.
Consequentemente, os problemas relacionados às drogas e aos seus usuários tornaram-se a cada dia, mais complexos, necessitando, por parte dos profissionais implicados, grande empenho no estudo da compreensão desse distúrbio.
São várias as versões que procuram elucidar a questão da dependência, Sem dúvida, todas objetivando o mesmo fim que é
diminuir o sofrimento do homem que não conseguiu livrar-se da dependência.
A concepção biomédica acredita que o distúrbio psíquico é puramente orgânico. As teorias psicológicas enfatizam a influência do psíquico. A psicanálise explica este fenômeno a partir da estrutura do inconsciente do indivíduo. A abordagem comportamental destaca o papel dos acontecimentos do ambiente, como determinadores da conduta humana. Na abordagem fenomenológico-existencial, a dependência química constitui-se numa possibilidade de escolha dentre as possíveis disponíveis no mundo.
É partindo dessa premissa que a psicoterapia Fenomenológico-Existencial desenvolve seu trabalho. Valoriza o ser como pluridimensional, livre e aberto às suas possibilidades, podendo escolher cuidar de si criando a sua vida e se responsabilizando por seu projeto. E para isso é necessário que se desaliene, tomando consciência de si, de seus limites e possibilidades e de sua liberdade de escolher com responsabilidade.
Sendo assim, as vestes, as máscaras, os estereótipos, os laudos, os atributos, não são considerados pelo terapeuta quando este indivíduo entra em seu consultório, não importa seu sobrenome.
Tal  conduta não inviabiliza a utilização de recursos e métodos, e, norteado na Psicopatologia Fenomenológica, serão apresentadas algumas vivências do dependente químico que podem ser comparadas à vivência maníaca.
A vivência do tempo, para estes indivíduos, em muito se assemelha, daí sua dificuldade de lidar com a idéia de futuro, pois apenas existe a vivência do presente, e a tentativa voraz de eternizá-lo. O passado, portanto, não serve como orientador das experiências. Consequentemente, tais indivíduos poderão se sentir incapazes de fazer projetos.
São capazes de colocar-se em situações de grande risco em busca de algo que os satisfaça, os obstáculos não são percebidos, nada é impossível. Vivenciam a crença de que não existe limite para sua ação.
Evitam entrar em contato com sua própria intimidade, vivendo afastados de si mesmos. Sendo assim, não apresentam interesses ou motivação para desempenhar alguma tarefa por um tempo considerável. Muitas vezes seu interesse é excessivo por um número excessivo de coisas, mas permanecendo na superficialidade, não se aprofundando em nada.
Nas relações, o mesmo pode ocorrer, mostrando-se a princípio disponível ao contato e vinculando-se facilmente, porém este vínculo é frágil e logo é desfeito.
Diante das contingências da vida, acaba fadado ao fracasso, pois seus objetivos não são alcançados, daí, a grande e desmedida dificuldade de lidar com a frustração e a angústia, mas sua vivência é uma perene tentativa compulsiva de negá-las.
Pode parecer na verdade que o dependente químico vive uma verdadeira guerra interna, onde vez por outra, batalhas são perdidas - recaída. Quando se escolhe catar os cacos e retomar a briga, uma batalha foi vencida. Mas às vezes, algumas batalhas tornam-se verdadeiramente cruciais para a sobrevivência.



sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Reich, Energia Vital, e o rompimento com a psicanálise



(WALMIR MONTEIRO)
A obra de Wilhelm Reich mostra como e por que ele rompeu com a psicanálise. O seu livro “Análise do Caráter” representa o primeiro passo essencial, dado de 1928 a 1934, da psicanálise em direção ao ESTUDO BIOENERGÉTICO DAS EMOÇÕES (Biofísica do Orgone). No capítulo XI de “Análise do Caráter” é publicado “O caráter masoquista” (1932-33), texto que representou seu rompimento clínico com a teoria freudiana da pulsão de morte. Reich diz que “não existe um empenho biológico pelo desprazer, por isso não há nenhuma pulsão de morte”.
“Análise do Caráter” só não é o melhor livro de Reich porque nele ainda é conservada uma linguagem psicanalítica (mais tarde desprezada). Houve também uma evolução da velha técnica de análise do caráter, chegando à “vegetoterapia”, termo que por sua vez foi substituído por “orgonoterapia”, onde procedemos bioenergeticamente e não mais psicologicamente, e inspirou todos os trabalhos atualmente conhecidos como abordagens corporais.
O conceito reichiano fundamental é a pulsação, que se expressa através dos movimentos de contração e expansão. A possibilidade, em maior ou menor grau, de desempenho desses movimentos ou a fixação em um deles, é que determina o conceito reichiano de saúde. O livre pulsar energético se expressa em todos os aspectos da vida,  e a função sexual tem um papel básico no mecanismo regulador dessa economia sexual. Daí se colocar como objetivo da orgonoterapia o restabelecimento do reflexo do orgasmo. Como metodologia, ela se propõe a fazer com que o paciente, além de se lembrar, possa também experimentar - com afeto - lembranças conflitivas até então bloqueadas, liberando assim a emoção (energia) aí fixada. O aumento progressivo da energia livre possibilita o restabelecimento da pulsação e portanto da saúde física e emocional.

Cada aluno do décimo período de psicologia da USS (2010.2) fará uma breve exposição de 15 minutos (em sala de aula) sobre o tema que lhe couber e também escreverá um texto (superior a uma lauda), de sua própria autoria, dizendo o que compreendeu sobre o assunto.Abaixo encontra-se a distribuição dos temas, todos constantes no livro “ANÁLISE DO CARÁTER”, Wilhelm Reich, Ed. Martins Fontes, 1998. A Biblioteca Central da USS dispõe do livro para empréstimo.

ALUNO 19 - Prefácio à primeira, segunda e terceira edições – p. 1-13
ALUNO 05 - Sobre a técnica de análise do caráter I – p. 51-64
ALUINO 26 - Sobre a técnica de análise do caráter II – p. 64-86
ALUNO 16 - Sobre a técnica de análise do caráter III – p. 86-99
ALUNO 01 - O caráter masoquista I – p. 215-236
ALUNO 18 - caráter masoquista II – p. 237-251
ALUNO 06 - Do intelecto como função defensiva e o entrelaçamento das defesas pulsionais – p. 285-289
ALUNO 11- Falta de contato e contato substituto – p. 289-304
ALUNO 27 - A representação psíquica do orgânico e a idéia de morte – p. 305-313
ALUNO 28 - Prazer, angústia, raiva e couraça muscular p. 313-325
ALUNO 17 - A linguagem expressiva da vida I – p. 329-340
ALUNO 23 - A linguagem expressiva da vida II – p. 341-358
ALUNO 03 - A linguagem expressiva da vida III – p. 359-366
ALUINO 15 - A cisão esquizofrênica - O “diabo” no processo esquizofrênico - p. 367-373
ALUNO 24 - A cisão esquizofrênica - Da “aparência da paciente” até a 8ª sessão - p. 373-380
ALUNO 02 - A cisão esquizofrênica – De “resumo pós oitava sessão” a 11ª sessão – p. 380-389
ALUNO 14 - A cisão esquizofrênica - Da 12ª à 16ª sessão - p. 389-396
ALUNO 12 - A cisão esquizofrênica - Da 17ª à 19ª sessão - p. 396-405
ALUNO 25 - A cisão esquizofrênica - Da interdependência entre consciência e autopercepção à 21ª sessão - p. 405-413
ALUNO 04 - A cisão esquizofrênica – 22ª à 24ª sessão – p. 413-418
ALUNO 22 - A cisão esquizofrênica - Da função racional do “mal diabólico” à 25ª sessão - p. 418-423
ALUNO 13 - A cisão esquizofrênica – Da função da autoagressão na esquizofrenia à 33ª sessão - p. 424-433
ALUNO 07 - A cisão esquizofrênica – da 34ª à 40ª sessão. - p. 434-440
ALUNO 10 - A cisão esquizofrênica – Crise e Restabelecimento I – p. 440–449
 ALUNO 30 - A cisão esquizofrênica – Crise e Restabelecimento II – p. 450-458
 ALUNO 08 - A peste emocional – p. 461
ALUNO 29 - A peste emocional no pensamento, na ação e na sexualidade - p.466-472
ALUNO 09 - A peste emocional no trabalho – p. 472-491    
AV 1 – NOTA DA APRESENTAÇÃO  - AV 2 - NOTA DO TRABALHO
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               


quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Resenha de TEMAS EXISTENCIAIS EM PSICOTERAPIA

A DESCONSTRUÇÃO DA INDIFERENÇA, por Walmir Monteiro

ANGERAMI-CAMON. Valdemar Augusto. Temas Existenciais em Psicoterapia.
São Paulo: Pioneira Thomson, 2003.

É de se esperar que um livro sobre temas existenciais em psicoterapia traga à discussão assuntos como a doença, o doente, a construção da subjetividade e a depressão como processo vital. Mas quando essa mesma obra se propõe a tratar, com igual densidade, matérias polêmicas como fé e espiritualidade, concluímos que se trata – de antemão – de uma obra ousada.
E é exatamente pela espiritualidade que o livro começa; assim, de primeira, admitindo logo o espírito quase beligerante que sempre provoca o trato de uma questão como essa - tabu no meio psi.
Mas o fato incontestável é que a grande experiência do autor na área hospitalar lhe proporcionou importante contato com vivências espirituais, e com a dimensão “transnatural” da realidade de seus pacientes, credenciando-o a trazer o tema para debate, e assumir corajosamente a necessidade de “enveredar pelos caminhos da criticidade teórica para que não nos percamos em meras e vãs digressões teóricas e filosóficas que não encontram sedimentação em nossa realidade contemporânea”.
Segundo Angerami, “a fé no processo de cura é o determinante maior” do sucesso da psicoterapia, e o papel da espiritualidade na prática clínica é possibilitar que “um imenso número de pessoas que (...) simplesmente não acreditam na eficácia da psicoterapia possam dela se beneficiar uma vez que se vinculam à sua fé.”
Para o autor, se também o psicoterapeuta, “não tiver uma fé inquebrantável na capacidade de auto-superação do paciente, de nada adiantará a utilização de técnicas diversas, por mais eficazes que possam ser (...) porque somos espiritualidade tanto quanto somos humanidade. Somos espirituais tanto quanto somos psicoterapeutas”.
O autor, psicoterapeuta e poeta, também faz interessante aliança entre a densidade da ciência psicoterápica e a sensibilidade da arte poética e musical. Densidade e sensibilidade se articulam e se fundem no correr de páginas prenhes de uma narrativa existencialmente analítica que se impõe profunda, séria, mas também suave e esperançosa.
No capítulo “sobre a postura do profissional da saúde diante da doença e do doente”, traz-nos importantes conceituações acerca da relação entre o profissional de saúde e o paciente hospitalar, começando pela postura de indiferença total para a dor do paciente, uma calosidade profissional que o impede de ser tocado pelo sofrimento alheio, a serviço, talvez, da manutenção de uma certa idéia de suposta neutralidade e não-envolvimento: “como se fôssemos capaz diante do sofrimento de acionar algum botão que nos desligasse” de tudo que pudesse abalar nossa estrutura emocional, mas “ao negar a dor do outro, o profissional de saúde não apenas nega a dor do seu semelhante como também a sua própria condição humana.”
Não se quer que o profissional absorva todo o desespero que envolva uma situação de dor. O ideal é: nem calosidade, nem comoção, mas uma postura que permita calor humano sem uma dramática comoção que possa atonar a fragilidade profissional, quando a intenção real é vivenciar sensibilidade e empatia reais. O “distanciamento crítico, segundo Angerami é o comportamento apropriado, porque “faz com que o profissional possa refletir de maneira serena e segura acerca dos desatinos emocionais do paciente.” Angerami advoga a importância de uma “empatia genuína”, fruto da própria condição humana do psicoterapeuta, na mais profunda e exata abrangência que tal definição possa abarcar. E refere-se a Stratton & Hayes para conceituar empatia como “um sentimento de compreensão e unidade emocional com alguém”. Ainda neste capítulo conceitua “profissionalismo afetivo” como “aquela postura onde não ocorre a empatia genuína, mas ainda assim o profissional trata o doente com respeito pela sua dor e sofrimento, adotando uma postura profissional que, embora pareada por certo distanciamento traz um grande respeito pela dor do paciente. Tal procedimento torna-se bastante útil quando se quer evitar um envolvimento emocional que escape do controle do profissional da saúde, “sem que o paciente se sinta desrespeitado na delicadeza do seu sofrimento.”
O capítulo 3, o imaginário e o adoecer – esboço de pequenas grandes dúvidas, propõe de começo uma interessante reflexão: “... não é na patologia que determinou a hospitalização que acharemos a decorrência do sofrimento vivido pelo paciente”, mas provavelmente em “fatores subjetivos que estão determinando a própria conceituação de enfermidade e, por assim dizer, do nível desse sofrimento”.
Para Angerami, tal subjetividade, “circunscrita nos aspectos que envolvem a história de vida de uma determinada pessoa fazem com que determinados diagnósticos repercutam de maneira específica a partir dessas peculiaridades”, e exemplifica a partir de Romano: “a reação depressiva pode alterar o curso clínico de uma doença e se tornar um forte empecilho para bons resultados no processo de reabilitação, tornando-o moroso ou difícil.”
Isto sinaliza para a confirmação de que “o espectro que o imaginário concebe como inerente a algumas patologias é a própria maneira de configuração até mesmo do sofrimento específico de cada paciente”, com diferentes características para uma mesma ocorrência, porque “o imaginário determina a própria maneira como algumas patologias, ao se manifestarem, agem até mesmo em níveis organísmicos.”
Ainda neste terceiro capítulo, Angerami alude ao significado da dor segundo Szasz, que se para o médico “é um problema de doença ou ferimento que aciona os impulsos nervosos, e para o paciente é um problema de desconforto e sofrimento que provém de uma disfunção do seu corpo, para o teólogo é principalmente um problema de culpa e castigo”.E aqui o autor inclui observações de Sartre acerca dos diferentes objetos alvos das análises dos três personagens citados: “cada uma dessas pessoas, na verdade, volta-se para um objeto diferente: o médico para o corpo do paciente como engrenagem biológica, o paciente para o seu próprio corpo como um bem pessoal, e o teólogo para as experiências do indivíduo como agente moral em relação a Deus.”
Angerami observa que ainda que a dor se enfeixe no imaginário do paciente ela não deixa de ser real e inclusive detectável aos instrumentos hospitalares:
“Negar a dor do outro é negar a sua própria realidade”.
O trabalho dos profissionais de saúde na unidade hospitalar, portanto, é direcionado não há uma ou outra dor, não a uma ou outra patologia, mas à pessoa humana que ali está em busca de acolhimento não apenas para a angústia de uma sensação dolorosa e visível ao exame, mas também para uma condição existencial que carece de acolhimento e compreensão.
Antes não era assim. O hospital era lugar de tratar do que “comprovadamente” dói e isto descartava a nova visão holística que aos poucos se impõe e cresce em torno do conceito de função hospitalar. Camon, a propósito, recorre a Foucault para nos lembrar que a própria mudança ocorrida no hospital nas últimas décadas contrasta com o histórico de sua trajetória, pois antes do século XVIII o hospital não era uma instituição médica, mas sim uma instituição de assistência aos pobres e o lugar onde estes iam para morrer. Não havia doente a ser curado, mas apenas alguns pobres morrendo.
Até hoje, coloca Angerami, estamos discutindo os objetivos da instituição hospitalar. E junto com esses objetivos, também a adoção de uma psicologia decididamente humana. “Uma psicologia construída por pensadores humanos e que seja destinada à compreensão do homem pelo homem e não mais por devaneios que coloquem o humano a um plano secundário.”
O capítulo 4 de certa forma prossegue a discussão do capitulo anterior mostrando que “não há como desassociar o imaginário da fé perceptiva, pois praticamente um é resultante do outro e, de alguma forma, um se configura a partir do outro. A própria definição e configuração do que seja imaginário dependem da nossa fé em sua existência e abrangência.”
Se assentimos que há uma interlocução entre imaginário e real a ponto de se tornarem indiscerníveis porquanto formam unidade holística e organísmica; certamente assentiremos que o veículo que nos transporta à admissão da “realidade do imaginário” é a fé, porque “ as coisas que a nossa percepção apreende da realidade são definidas a partir daquilo que acreditamos e que conceituamos como tal.”
É um capítulo que trata do fenômeno da fé: a construção da subjetividade, e calca toda a discussão a partir das percepções visual e auditiva, acrescentando-lhes a “fé perceptiva”: “vivemos numa realidade existencial, onde agimos como se tivéssemos apenas as percepções visual e auditiva” pelas quais nos orientamos em nossas apreensões acerca do que seja o mundo. O autor diz que se podemos afirmar com Merleau-Ponty “que o mundo é o que vemos”, contudo precisamos aprender a vê-lo, e a fé perceptiva nos dá parâmetros de configuração daquilo que sentimos e percebemos não apenas sobre a nossa realidade existencial, como também a respeito do mundo que nossa percepção define como tal. Praticamente tudo é determinado pela apreensão que o nosso olhar tem da realidade.
“Nossa subjetividade é o modo como estabelecemos nossa vivência de transcendência e como nos definimos como seres pensantes e até mesmo humanos. É no enfeixamento da nossa realidade senso-perceptiva que se forma a nossa subjetividade em tudo aquilo que nos caracteriza como humanos, um ser que transcende a si mesmo e se percebe como fenômeno”.
No último capítulo, “Depressão como processo vital”, Angerami estuda a depressão como “manifestação existencial de defesa de uma pessoa frente às vicissitudes da existência. Um fenômeno humano que se faz presente nas mais diferentes situações e contextos”. Camon coloca logo a sua intenção de refletir sobre os determinantes que levam uma pessoa a efetivar a escolha da depressão para a resolução de seus conflitos existenciais, ”independente das pesquisas que reduziram a existência humana a conceitos meramente orgânicos.”
Inicialmente o autor conceitua a depressão a partir de três tipos de ocorrências específicas: a melancolia, a nostalgia e o luto.
A melancolia é conceituada como “a situação em que a pessoa sofre por aquilo que não viveu”, das escolhas que não fez, das oportunidades que desperdiçou.
“A nostalgia, contrariamente à melancolia, é a dor pelas recordações das situações vividas: a saudade que nos traz ao imaginário situações prazerosas vividas no passado, visando dar sentido ao presente ou atenuando o momento cáustico que o presente possa estar configurando.”
“A depressão que envolve situações de perdas e luto são aquelas que mais facilmente encontram escora nas conceituações contemporâneas. É comumente definida como sendo depressão reativa, ou seja, que reage a determinadas situações ocasionais e esporádicas”. Um quadro depressivo diante de uma situação de luto, por exemplo, é algo inclusive bastante saudável, na medida em que mostra uma reação organísmica” que visa a reobtenção de equilíbrio e bem-estar
Camon conclui o capítulo dizendo que a depressão é algo que revela de modo único a nossa condição humana, a qual traz em seu bojo situações de perda e de luto, de frustrações e de desatinos. E se a depressão permite tantos questionamentos e polêmicas, devemos então aceitá-la como algo decididamente único e pessoal.
Concluímos que “Temas Existenciais em Psicoterapia”, de Valdemar Augusto Angerami – Camon, é um livro que tem merecido lugar de destaque entre as melhores obras psicológicas, por sua pertinência, clareza e ousadia.